sexta-feira, 13 de junho de 2008

A pedidos de Marcos Assis Cárdeo, My Brother

Trecho de SPEECH – Parte 01

Henrique

Caminhava pela Rua dos Tupis, esquina com Paraná, parte suja da cidade. Muita poluição, barulho, proletários carregando seus coxos junto ao peito, vendedores ambulantes, pequenos furtos... Quando me deparei com um antigo amigo. Estava abatido, magro, com olheiras profundas, cabelo ralo e seboso, e ainda lhe restavam alguns dentes quebrados na boca. Nas raras vezes que me encontrei com ele, havia sempre uma nova cicatriz em seu rosto. Por vezes, quando o encontrava na zona boemia da capital, estava bêbado. Sempre com um dos olhos inchado, ou a boca pingando sangue fresco, além de pequenas escoriações pelo franzino corpo, nada muito grave. Crescemos juntos num bairro da Zona Noroeste de Belo Horizonte. Ficamos ali na esquina, recordando nossa infância, parados em frente a um estabelecimento que comercializa fumo de rolo. Uma suposta tabacaria. Por pequenos momentos, ficamos nostálgicos. Revivi em minha memória, os fundos do lote da residência onde ele morava. Isolado da casa, num quartinho mofado, morava seu falecido tio que descascava fumo de rolo encostado em um enorme forno de barro, construído ao lado do quartinho. Até hoje não sei dizer se o Tio era aposentado ou desempregado. Figura calada, quase muda. Quando ele saía, entrávamos naquele misterioso quartinho. Nenhum familiar sabia para onde o Tio ia e pra quê, e nem a que horas retornava. Por isso éramos rápidos em nossas investidas visitas. Meu amigo folheava as revistas de sacanagem, enquanto eu apreciava um acordeom que continha um furo na lona do instrumento. Havia também alguns livros antigos com as páginas bastante amareladas e uma velha máquina de escrever num canto. Não havia muita mobília. Uma cama de solteiro com colchão de palha, uma pequena mesa de madeira carcomida, junto a uma cadeira de metal enferrujada, um ferro de passar roupas que, nas horas vagas era usado como apoio de livros; um velho radinho a pilha e uma caixa de papelão onde o tio dele condicionava os poucos ternos e demais vestias que possuía e também as revistas pornográficas. Num outro canto se encontrava um aparador de chapéus. Parecia-me ser um homem extremamente elegante. Quando não estávamos espionado, brincávamos no quintal. Lembro-me do som incessante da máquina de escrever. Uma verdadeira metralhadora. Nunca encontrei sequer um único texto em nossas aventuras no quartinho. E por ironia, hoje estou escrevendo sobre isso. Despedi-me de meu amigo, num dia qualquer e que poderia ser um dia comum. Só que neste dia foi diferente. Antes de ir, disse-me com ar tristonho e melancólico que sua mãe estava à beira da morte e que não o reconhecia mais, assim como os demais entes, já não tão queridos. E que ele estava prestes a se casar mais uma vez. Tive pena, pelas duas desgraças relatadas. Notei em seu olhar uma luzinha que estava se apagando. Como as que já vi nos olhos de cães de rua que acabam de ser atropelados. Ela diminui, dissipa e se apaga. Quando crianças, dizíamos ser o melhor amigo um do outro. Naquele Ar denso, numa esquina fudida, não tinha nada para dizer a ele. A não ser... lamentar.

Belo Horizonte, sexta-feira, 13 de junho de 2008.

2 comentários:

marcos assis disse...

foda

Sylvia Marteleto disse...

OW, SEM COMENTÁRIOS PODRERA! VOU REPRODUZIR A PALAVRA DO MARCO ASSIS: "FODA".

MAIS UMA VEZ, ACERTOU EM CHEIO. E NÃO FALO ISSO DE BABOSEIRA NÃO; SE ESTIVESSE MEIA-BOCA, FALARIA OU COMENTARIA ALGUMA PARTE QUALQUER.. MAS, NÃO É O CASO.

ESTE TEXTO É MAIS DILACERANTE AINDA QUE O DE CIMA... MAIS PROFUNDO E MELANCÓLICO. E O MAIS INTERESSANTE DE TUDO, É QUE É UM RELATO REAL E SINCERO... LINDO DEMAIS!

EM GERAL, A VIDA PODE SER MAIS INTRIGANTE QUE O FANTÁSTICO DO IMAGINÁRIO...

FÃ DE CARTEIRINHA MESSMMMOOO...
Sylvia.